sábado, 11 de dezembro de 2010

Brasil - "Será muito mais fácil tomar a Rocinha do que o Complexo do Alemão"

.

ALEXANDRA LUCAS COELHO, no Rio de Janeiro – PÚBLICO – 11 dezembro 2010

A conquista do Complexo do Alemão muda o Rio de Janeiro e é "irreversível", diz o número 1 da polícia, Allan Turnowski, em entrevista ao PÚBLICO.

A polícia é a primeira interessada em punir os polícias corruptos, garante o homem que há um ano e meio comanda a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Olhos azuis, discurso na ponta da língua, Allan Turnowski fala num "virar de página" que mudou a cidade e garante que os seus homens estão prontos a avançar para as favelas seguintes.

A próxima operação vai ser na Rocinha?

Não necessariamente. Com a retomada do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, a polícia está preparada para entrar em qualquer comunidade, que pode ser a Rocinha, mas não para ocupar: entra, pega arma, pega droga, prende traficantes e sai da favela. É o trabalho da polícia civil: de investigação. Qualquer ocupação já é um planeamento da Secretaria de Segurança [do governo do Rio], as chamadas UPP [Unidade de Polícia Pacificadora, que neste momento ocupam 13 favelas]. Se o secretário de Segurança der ordem, nós vamos tentar capturar o máximo de bandidos, tirar armas, tirar drogas, para que a ocupação possa ser feita.

Quando vai ser na Rocinha, só ele pode responder. O que digo é que a polícia hoje vai a qualquer lugar.

No fim da semana passada, na Rocinha, as pessoas estavam a ler a manchete do Globo que o citava a si dizendo: "Polícia e Marinha têm tudo pronto para tomar a Rocinha".

Tenho tudo pronto para operar. Sei onde são as bocas [pontos de venda de droga], sei como se entra, já fiz várias operações lá, mas isso não quer dizer que a Polícia Militar esteja pronta para ocupar. Mas que a gente tem condições, e é possível que vá a qualquer momento, com certeza.

Se receber luz verde para avançar amanhã, está pronto?

Na hora que der ordem. Queria deixar bem claro que a polícia civil já fez várias operações na Rocinha. Pegámos várias refinarias de cocaína, pegámos armas. Se a gente tiver bons objectivos de drogas, de armas, vamos operar.

Há uma discussão sobre onde estão os traficantes que fugiram do Complexo do Alemão. Até agora foram presos quantos?

Mais de 130. Hoje mesmo a gente prendeu, ontem a gente prendeu. Mais importante que a prisão de líderes era a retomada de território e o final do negócio deles. Hoje eles não têm mais um ponto para vender, perderam mais de 500 armas, só fuzis foram 150, perderam mais de 35 toneladas de maconha [marijuana], que é um "capital de giro", que venderiam para comprar mais armas, mais drogas. Então o prejuízo dessa facção é muito grande, mas é principalmente por ter perdido o local onde mais vendia, numa população que atinge 400 mil pessoas.

Está a somar Complexo da Penha e do Alemão.

Sim. Ali eles faziam muito dinheiro. Então quando perdem aquele território, aquela fábrica de dinheiro, é uma derrota muito grande para essa facção. A gente discute: "Ah, o líder fugiu." Quem era o verdadeiro líder? Era aquele que estava no Alemão ou o Marcinho VP que está preso? É o Fernandinho Beira-Mar? Esses líderes são altamente substituíveis. A gente já prendeu vários líderes nesses anos todos e isso nunca resolveu o problema.

Foram centenas que fugiram?

Não. Traficantes mesmo que tenham fugido acredito que são dezenas. Vinte, trinta, quarenta, cinquenta. Porque os que não têm mandado de prisão não precisam de fugir. Bandidos recém-chegados na quadrilha, que perderam as armas e não estão vendendo droga, deixaram de ser bandidos. Para a justiça, são pessoas do bem. Então, podem ficar dentro do Alemão, porque perderam foi o emprego. Numa quadrilha muito grande, boa parte deles são novos, pessoas que ficavam no radiozinho, as pessoas que só vendiam a droga como o "estica", como a gente chama. Alguns até portavam fuzis mas não eram próximos do líder, então não tinham mandado de prisão. Essas pessoas saem do crime. Não vão para outro lugar traficar.

Saem do crime se tiverem uma alternativa, não?

Não. Muita gente ali do Alemão, pelo tamanho, não tem como migrar para outro lugar. Vão ter de sair do crime e procurar emprego. Aliás, isso está acontecendo em áreas de UPP. Vários ex-bandidos passaram a procurar emprego. Então não é verdade que 100 por cento [dos traficantes que controlavam o Alemão] é foragido. Só um núcleo, que é recebido noutras comunidades.

Também ninguém achou que ia prender todos no primeiro momento. Aliás no Rio de Janeiro não conheço nenhum bandido que tenha envelhecido bandido. A gente prendeu todo o mundo. Essa geração é a 5.ª de líderes. Marcinho VP já foi líder. Agora, o Pezão, o FB [líderes do Complexo do Alemão] são substitutos, e se morreram são substituídos.

Onde estão?

Espalhados em vários lugares do Rio de Janeiro. Muitos deles estão sendo presos na casa de mãe, de pai, de parente, sem arma, sem nada. Não há um lugar que possa abrigar todos eles nesse momento.

Acha que alguns terão ido para a Rocinha?

Acho que não. Não descarto, mas não seria inteligente por parte dessa facção [a que controla a Rocinha, diferente da do Alemão] trazer problema para lá.

Há gente que diz que teriam ido para a Rocinha, que teria havido um pacto.

Eles podem até ter feito um pacto de não-agressão, mas receber eles todos, não. Não confiam suficientemente noutra facção que é inimigo histórico.

Não acredita em unidade de facções?

Não, no máximo pacto de não-agressão momentânea.

E com essa demonstração da superioridade das forças do Estado perante o tráfico, não tiveram como reagir. Por isso é que eles fugiram. E isso eleva o Rio de Janeiro a um patamar bem maior. Essa virada de página, uma retomada sem tiro no principal local do tráfico, transforma o Rio de Janeiro. O bandido se sentiu tão inferiorizado que não teve coragem de reagir. O Estado planeou com inteligência, prendeu a família, sequestrou bens, tirou o negócio deles.

Houve uma mudança de estratégia nos últimos anos? Até aí a polícia entrava, matava e saía.

É dessa mudança que estou falando. Em 2007 nós matámos dez traficantes lá no Alemão. Agora não matámos ninguém e o prejuízo deles é muito maior. Acabou, não têm como refazer o dinheiro para comprar o que perderam.

Mas a Rocinha, que é maior favela do Rio, continua sem ser tomada.

A Rocinha é um sexto do Alemão e da Vila Cuzeiro. Vende um sexto do que vende o Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro.

Em termos policiais, pode explicar quais são os desafios que a Rocinha apresenta? Porque, ao contrário do Alemão e da Penha, que estão lá na Zona Norte, ela está na Zona Sul cercada de classe média-alta. As condições geográficas são muito diferentes.

São muito mais fáceis. A topografia da Rocinha permite uma acção da polícia com muito mais segurança. No Complexo do Alemão não tinha como botar helicóptero blindado para voar se não tivesse toda uma organização, porque é um vale, podia ser atingido. A Rocinha não é um vale, é um morro único. Tem quatro ou cinco entradas que se tapam com um efectivo muito menor do que o Alemão, que tinha 50 e tantas entradas, mais a Vila Cruzeiro. O efectivo necessário para a Rocinha é muito menor. A Rocinha é pelo menos seis vezes mais fácil.

Então não está preocupado com essa operação?

Não. É uma questão de planeamento. O Alemão, apesar de ter sido antecipado, estava planeado. Isso não se faz da noite para o dia. O mesmo com a Rocinha, está sendo feito todo um trabalho, e no momento correcto a gente vai entrar.

Durante muito tempo a polícia foi vista como estando contra as pessoas. Nesta operação vimos a polícia a ser aplaudida e emails agradecendo. Mas tanto no Alemão, como na Vila Cruzeiro, como na Rocinha, ouvi críticas quanto à corrupção da polícia, ao comportamento, abusando da entrada de casa, queixas de furtos. Há ainda um grande capital de desconfiança.

Claro. Participámos dessa operação [Vila Cruzeiro e Alemão] com 2500 policiais, entre militares, federais, civis. Tivemos aí umas 50 queixas registadas. Muitas vezes o mesmo policial deve ter feito em duas ou três casas a mesma transgressão. A gente está num processo. É evidente que ainda há maus policiais, e a gente está tentando levantar quem são para poder expulsá-los. Mas não dá para manchar uma operação desse porte por 50 casos. Não vamos conseguir da noite para o dia anular os problemas, mas hoje a população tem certeza de que ninguém passa a mão na cabeça de mau policial.

Em segundo lugar, o resgate dessa credibilidade se deu porque a polícia começou a chegar e a não sair. Então se você não abandonar mais a população, ela também não vai te abandonar. O facto da polícia permanecer no território dá a eles cidadania que o bandido não dava. Na verdade, eles eram escravos. Viviam naquele regime do tráfico por necessidade, não por opção. Então, quando o Estado entra, além da polícia, dando liberdade, dando cidadania, e vem todo um serviço social para melhorar as condições de vida, é claro que as pessoas vão ficar do lado do Estado. É um processo que vem de há dois anos para cá, por causa da permanência da polícia [nas UPP].

E o facto do governador ter conseguido os blindados para a protecção dos policiais fez com que eles não se sentissem mais um número. Quando você consegue veículo blindado da Marinha, óculos de protecção nocturna, armamento que o Estado comprou nesses últimos anos, o policial se sente valorizado pelo próprio governador.

Então o policial hoje não quer perder esse apoio da população, e está realmente investigando para descobrir os policiais que fizeram algo errado.

A operação do Alemão vira uma página também aí.

E é irreversível?

Irreversível. A gente não sai mais do Alemão. A gente não sai mais da Vila Cruzeiro. A Polícia Militar vai ocupar com o Exército lá, enquanto a polícia civil continua trabalhando em outras áreas, para diminuir o poderio deles.

Quais são os pontos mais sensíveis agora? Rocinha, Mangueira?

Agora ficou equilibrado. O nosso grande problema sempre foi Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão. Enquanto a gente não resolvesse esse problema, teria dificuldades em resolver o problema do Rio. Por exemplo, se não fosse à Vila Cruzeiro e ao Alemão não teria como parar os ataques de queima de carro, porque as ordens vinham dali.

E os traficantes não têm hipótese de retomar o território?

Não, não têm. A sociedade não aceita, a polícia não aceita, politicamente não tem como.

Acha que devia haver mediação na Rocinha ou na Mangueira como José Júnior [ver P2 de quarta-feira] tentou fazer no Alemão?

Eu acho que não tem negociação com bandido. Não há acordo. O único acordo que tem é levantar a mão, entregar a arma e ser preso.

Então não há conversas com o tráfico?

Zero de conversas. O governador sempre deixou isso claro. Por isso é que eles começaram a queimar carro.

Mas houve mediação no caso do Alemão.

O José Júnior foi lá por iniciativa própria. Ninguém do governo lhe pediu nada. Ele é que se sentiu na obrigação de ir por fazer um trabalho social lá.

Quem foi o grande arquitecto deste virar de página no Rio?

O governador, em primeiro lugar. E em segundo o secretário de segurança, José Mariano Beltrame.

Como avalia o problema das milícias agora [ex-polícias que se tornam quadrilhas]?

Milícia é tratada por essa administração como o tráfico. Já prendemos mais de 500 milicianos.

Qual é o maior território tomado por milícias?

Zona Oeste: Campo Grande, Jacarepaguá. Ainda são focos bem fortes. Acho que é um problema do mesmo nível do tráfico de droga. A milícia pode ser o embrião de uma máfia, do crime organizado. O tráfico não consegue atingir esse nível. Milícia, na minha opinião, é até mais perigoso.

**Amanhã na Pública: Um fim-de-semana na Rocinha, uma reportagem de Alexandra Lucas Coelho e Jordi Burch
.

Sem comentários: