segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O MUNDO QUE HERDAMOS COM A CRISE

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BENJAMIM FORMIGO - JORNAL DE ANGOLA

Uma vintena de anos depois do fim da Guerra Fria, da divisão do Mundo em blocos de influência, da estratégia do conflito indirecto entre superpotências, estamos prestes a legar aos nossos filhos e netos um Mundo bem mais complicado e instável.

A crise financeira, da responsabilidade de duas centenas de “famílias empresariais”, ou seja, menos de 200 mil pessoas, está a atingir, há mais de dois anos, o Mundo como um todo. A situação agrava-se quando os autoproclamados especialistas nos dizem e pregam aos quatro ventos que o fim da crise não é para amanhã, nem para depois, ou depois. As agências de notação classificam Governos, países, bancos, empresas, como se fossem porta-vozes divinos. Na semana passada, os especuladores ganharam fortunas com as dívidas soberanas dos Estados e as populações pagam ficando cada vez mais pobres e descapitalizadas.

O problema não é do mundo desenvolvido. É global. Dizia-se dantes que quando a economia dos Estados Unidos se constipava o Mundo apanhava uma pneumonia. O problema é que a doença atinge, em simultâneo, as economias americanas e europeia. Setecentos milhões de consumidores, é disso que estamos a falar. De 700 milhões de consumidores, um universo simultaneamente de aforradores e de pequenos investidores. Acrescentemos agora o Japão a essa crise. Temos de facto um belo panorama.

A crise porém não se fica pelos EUA, UE e Japão. A China, a grande potência económica, sedenta de mercados para escoar produtos e de energia o mais barata possível para os produzir bem como mercados onde possa investir para rentabilizar o seu enorme excedente, não vai escapar à crise.

A China lançou-se na produção intensiva de produtos baratos, graças à sua disponibilidade, quase inesgotável, de uma mão-de-obra barata. Os consumidores, na Europa – o maior cliente da China – e nos Estados Unidos lançaram-se na procura de produtos chineses baratos e, por isso mesmo, substituíveis com maior facilidade mesmo que o seu prazo de vida útil possa ser inferior.

Os mercados chineses, abertos ao investimento estrangeiro, nunca se abriram ao consumo dos bens produzidos pelos parceiros comerciais, excepto os de alta tecnologia. Assim, os chineses caminham para uma situação em que a sua produção tem de ser dramaticamente reduzida, uma vez que o mercado consumidor não tem capacidade financeira para a absorver. As crises lançadas sobre os países têm sempre o consumir/contribuinte como objecto mais afectado.

O consumidor/contribuinte retrai as despesas, deixa de programar investimentos, mesmo os pequenos, guarda a sua liquidez para os dias mais frios que receia.

Quem vai pagar a crise e durante quanto tempo? Ou será melhor colocá-la na coluna dos incobráveis? Claro que para os países em desenvolvimento, as chamadas economias emergentes, esta crise tem custos extremamente elevados. Não só não conseguem atingir os níveis dos chamados desenvolvidos como vêm as receitas diminuídas e o desenvolvimento afectado. Um dos encantos da globalização. O Ambiente, até há um Dia Mundial do Ambiente. Se avaliássemos as perspectivas do ambiente pelo número de conferências e protocolos seríamos levados a acreditar que é uma das maiores preocupações globais e que estaríamos a caminho de recuperar a destruição ambiental que ao longo do último século foi feita. O que sobra em número de reuniões, acordos de princípio, protocolos, falta em qualidade e cumprimento.

A destruição do ambiente é um produto global, um problema global, embora a contribuição para a degradação seja assimétrica. As soluções, porém, nunca conseguem um apoio global. Todos os acordos têm um SE ou um MAS em qualquer lado, introduzido por um ou outro país ou conjunto de países que permite o incumprimento.

Enfim, no final de 2010 não estamos melhor, longe disso, do que em 2009 e é necessário ser muito ingénuo para acreditar que estas linhas estarão desactualizadas no final de 2011. Talvez seja da idade, mas não vejo grandes motivos para ser optimista. Pelo contrário, existem, sim, motivos para lutar.
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