"Mubarak, rua. O jogo acabou." Milhares de egípcios, em claro desafio à ordem de recolher obrigatório, apelam à demissão do ditador - Fotografia © Asmaa Waguih - Reuters
LUMENA RAPOSO com PEDRO COSTA GOMES, no Cairo - DIÁRIO DE NOTÍCIAS – 31 janeiro 2011
Voos rasantes de aviões e helicópteros não desmobilizaram os manifestantes anti-Mubarak. O prémio Nobel da Paz El-Baradei juntou-se ao povo e avisou: "Não há retorno para o que começámos."
A polícia egípcia voltou ontem a patrulhar as ruas do Cairo , colaborando com o exército na manutenção da segurança das populações, enquanto o Governo aumentava o período do recolher obrigatório, das 15.00 locais (13.00 em Lisboa) até às 08.00, com efeitos a partir de hoje. Mas os egípcios continuam a ignorar por completo as decisões do poder e a exigir a queda de Hosni Mubarak: ontem mantiveram-se, aos milhares, na Praça da Liberdade, no centro do Cairo, mesmo após o recolher obrigatório ter começado. Confraternizando com os militares, com quem tiravam fotografias - numa prova evidente de que as forças armadas estão a abandonar o apoio antes dado ao Presidente. E escrevendo graffiti nos tanques, com palavras de ordem como "Mubarak, rua. O jogo acabou".
Mas o desafio não ficou por aqui. Já com o recolher obrigatório em pleno, chegava ao local de todos os protestos o homem que a oposição escolheu para dar rosto ao protesto: Mohamed El-Baradei, Prémio Nobel da Paz 2005.
"Não há retorno para o que começámos", disse Baradei à multidão que o aplaudia e o ouviu pedir paciência: "As mudanças vão chegar. Estamos no bom caminho, a nossa força está no nosso número." Exigindo de novo a partida de Mubarak, o Nobel justificou: "Um ditador no poder há 30 anos não pode instaurar a democracia."
Enquanto se intensificavam os contactos diplomáticos entre as várias capitais - Barack Obama falou com todos os líderes da região - para evitar uma derrapagem no Egipto, o regime fazia nova promessa: rever os resultados, contestados, das legislativas de há dois meses. "Tarde de mais", na opinião de muitos analistas. Mubarak, quase a perder o poder que detém desde 1981, esteve ontem reunido com as cúpulas militares. Claramente preocupado.
A classe média, que engrossa as manifestações, tem outra preocupação: a segurança das suas famílias e bens. Há milhares de criminosos à solta na capital egípcia após várias esquadras da polícia terem sido incendiadas e roubadas. E milhares de prisioneiros fugiram de três grandes prisões.
José Nascimento, de 43 anos, é director-geral numa empresa espanhola e vive com a família num condomínio fechado na orla oriental da cidade - Katamea Residence. Até há dias, este era um dos locais mais seguros do Cairo, mas isso mudou completamente na noite de sexta-feira. Criminosos fizeram várias tentativas para entrar e pilhar este condomínio da classe alta.Este português contou ao DN que começou a ouvir tiros no portão de Katamea às 19.30 e os disparos só acabaram às 03.30, o que o levou a refugiar-se com a família no sótão da vivenda. Uma situação suficiente para fazer com que este empresário e a família regressem hoje a Portugal. Apesar de muitos problemas, "o país era seguro com Mubarak", afirma. Ao partir, deixa 14 egípcios sem emprego.
Pedro de Faria é outro português que tem uma empresa no Egipto: está a construir uma nova linha de metro no Cairo e, se o recolher obrigatório prosseguir, 1500 egípcios perderão o trabalho, porque o turno da noite não irá funcionar. Pedro, de 29 anos, é controlador de gestão. Vive na ilha de Zamalek, área rica rodeada pelo Nilo e habitada por muitos europeus. Em frente ao seu apartamento, na outra margem, fica Embaba, um bairro extremamente pobre. Estas duas áreas da cidade estão separadas por uma ponte de 40 metros. A população de Embaba tentou atravessá-la na noite de sexta-feira; a polícia travou-a.
No aeroporto do Cairo, mais caótico que nunca, oito portugueses aguardavam ontem um voo de ligação para Banguecoque que devia ter saído de véspera, queixando-se de falta de informação do consulado português.
O Cairo torna-se especialmente perigoso após o anoitecer, quando se formam milícias populares junto dos edifícios para proteger famílias e bens. Os tanques que foram mobilizados não chegam para patrulhar esta metrópole de 18 milhões de habitantes.
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