PAULO GORJÃO* – i ONLINE – 04 janeiro 2011
O Brasil aspira ao estatuto de potência global e, por isso, para a sua política externa o G-20 e os Estados Unidos são muito mais importantes que a CPLP
No novo ciclo da política externa brasileira que agora se inicia, as duas palavras de ordem da nova presidente, Dilma Rousseff, serão "continuidade" e "aprofundamento". Naturalmente, o estilo pessoal será outro e é muito provável que, sem introduzir grandes rupturas, o Brasil procure adoptar um perfil diplomático um pouco mais discreto.
Isto dito, tal como fez o presidente Lula da Silva entre 2003 e 2010, Dilma continuará a apostar nos próximos anos na consolidação do estatuto regional do Brasil, privilegiando para esse efeito mecanismos de natureza multilateral como o Mercosul e a Unasul, uma vez que a manutenção e o reforço da sua posição hegemónica na América do Sul é crucial para a sua projecção de poder noutros palcos.
Tanto quanto se pode desde já antecipar, com Dilma muito possivelmente existirá uma aposta ainda mais vincada do que com Lula na relação com os países emergentes - não só os BRIC (em breve BRICSA), mas também os N-11 -, mas que, em todo o caso, estará em consonância com as linhas mestras da política externa brasileira.
O embaixador norte-americano no Brasil, Thomas A. Shannon Jr., salientava em declarações ao "New York Times" que em 2003 o Brasil era uma potência regional com ambições globais, mas que actualmente aspira ao estatuto de potência global, tendo interesses regionais e responsabilidades internacionais. Esta inversão na caracterização do Brasil faz toda a diferença e permite compreender melhor a sua pretensão a um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, ou por exemplo a sua participação e empenho ao mais alto nível nas cimeiras dos BRIC ou do G-20.
Será, porventura, na relação com os EUA que Dilma poderá introduzir algumas nuances. Se, por um lado, enquanto aspirante a potência global, o Brasil terá de conquistar o seu próprio espaço, por outro, terá de o fazer procurando sempre salvaguardar a sua relação com a potência hegemónica mundial. É certo que a ascensão do Brasil no sistema internacional multiplica as hipóteses de fricção política e diplomática com os EUA. Porém, o Brasil dificilmente assegurará um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU se não souber articular uma estratégia que estabeleça um ponto de equilíbrio entre os seus interesses e os do EUA.
"O Brasil mudou muito em relativamente pouco tempo", disse o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, António Patriota, no seu primeiro discurso. É verdade. Por isso, o principal desafio na década que agora começa consiste em adaptar e consolidar a sua agenda diplomática multivectorial, ao mesmo tempo que o Brasil se integra cada vez mais no sistema internacional e nos seus diversos centros de poder formais e informais.
P.S. No seu primeiro discurso após a tomada de posse, nas palavras que dedicou à política externa, Dilma não fez nenhuma referência explícita aos países lusófonos ou à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). António Patriota foi igualmente omisso na sua primeira intervenção pública. Os seus silêncios não foram propriamente uma surpresa. À excepção da sua fase inicial, a verdade é que o Brasil nunca atribuiu à CPLP - ou aos países de língua portuguesa no seu conjunto - um lugar central e incontornável na sua política externa. É a vida.
*Director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS)
Escreve à terça-feira
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O Brasil aspira ao estatuto de potência global e, por isso, para a sua política externa o G-20 e os Estados Unidos são muito mais importantes que a CPLP
No novo ciclo da política externa brasileira que agora se inicia, as duas palavras de ordem da nova presidente, Dilma Rousseff, serão "continuidade" e "aprofundamento". Naturalmente, o estilo pessoal será outro e é muito provável que, sem introduzir grandes rupturas, o Brasil procure adoptar um perfil diplomático um pouco mais discreto.
Isto dito, tal como fez o presidente Lula da Silva entre 2003 e 2010, Dilma continuará a apostar nos próximos anos na consolidação do estatuto regional do Brasil, privilegiando para esse efeito mecanismos de natureza multilateral como o Mercosul e a Unasul, uma vez que a manutenção e o reforço da sua posição hegemónica na América do Sul é crucial para a sua projecção de poder noutros palcos.
Tanto quanto se pode desde já antecipar, com Dilma muito possivelmente existirá uma aposta ainda mais vincada do que com Lula na relação com os países emergentes - não só os BRIC (em breve BRICSA), mas também os N-11 -, mas que, em todo o caso, estará em consonância com as linhas mestras da política externa brasileira.
O embaixador norte-americano no Brasil, Thomas A. Shannon Jr., salientava em declarações ao "New York Times" que em 2003 o Brasil era uma potência regional com ambições globais, mas que actualmente aspira ao estatuto de potência global, tendo interesses regionais e responsabilidades internacionais. Esta inversão na caracterização do Brasil faz toda a diferença e permite compreender melhor a sua pretensão a um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, ou por exemplo a sua participação e empenho ao mais alto nível nas cimeiras dos BRIC ou do G-20.
Será, porventura, na relação com os EUA que Dilma poderá introduzir algumas nuances. Se, por um lado, enquanto aspirante a potência global, o Brasil terá de conquistar o seu próprio espaço, por outro, terá de o fazer procurando sempre salvaguardar a sua relação com a potência hegemónica mundial. É certo que a ascensão do Brasil no sistema internacional multiplica as hipóteses de fricção política e diplomática com os EUA. Porém, o Brasil dificilmente assegurará um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU se não souber articular uma estratégia que estabeleça um ponto de equilíbrio entre os seus interesses e os do EUA.
"O Brasil mudou muito em relativamente pouco tempo", disse o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, António Patriota, no seu primeiro discurso. É verdade. Por isso, o principal desafio na década que agora começa consiste em adaptar e consolidar a sua agenda diplomática multivectorial, ao mesmo tempo que o Brasil se integra cada vez mais no sistema internacional e nos seus diversos centros de poder formais e informais.
P.S. No seu primeiro discurso após a tomada de posse, nas palavras que dedicou à política externa, Dilma não fez nenhuma referência explícita aos países lusófonos ou à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). António Patriota foi igualmente omisso na sua primeira intervenção pública. Os seus silêncios não foram propriamente uma surpresa. À excepção da sua fase inicial, a verdade é que o Brasil nunca atribuiu à CPLP - ou aos países de língua portuguesa no seu conjunto - um lugar central e incontornável na sua política externa. É a vida.
*Director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS)
Escreve à terça-feira
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