DIRETO DA REDAÇÃO – Espaço Livre
O filme Tropa de Elite 2 levou aos cinemas nada menos do que 1,25 milhão de pessoas em apenas três dias de exibição, um recorde de bilheteria. Mas, apesar das sessões lotadas, esse tipo de entretenimento ainda não é uma realidade para metade dos brasileiros. Cerca de 54% deles nunca colocaram os pés em uma sala de projeção. É o caso da família da diarista Marlene Walesco Maseno, 57 anos, de Curitiba. Além dela, o marido e dois dos três filhos ainda não tiveram a oportunidade de ver um filme no cinema. “Sou muito curiosa para saber como é, mas não consegui ir. Meu marido é mais parado, por isso não nos programamos”, afirma.
A barreira cultural não se restringe ao cinema. Quase 60% da população brasileira nunca foi a um teatro ou a um show de dança e aproximadamente 70% jamais foi a museus ou centros culturais. Os dados, divulgados ontem, são do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Se teatro, cinema e shows são momentos de lazer para um número mais restrito de pessoas, ver televisão e ouvir rádio, por outro lado, são atividades quase que universais: apenas 5,9% dos brasileiros nunca ouviram rádio e 0,9% nunca assistiram à tevê. “Meu lazer é ver televisão e escutar rádio. Quando era pequena, o entretenimento era só o rádio”, lembra Marlene.
A Região Sul tem o maior número de espectadores de tevê (85,8%), que assistem aos programas diariamente. Já na Região Nordeste está o maior porcentual (39,2%) de pessoas que vão, com frequência, a bares, boates e danceterias; enquanto na Região Centro-Oeste há o maior porcentual (29,8%) de frequentadores de clubes e academias.
Barreiras
Segundo o Ipea, o desenvolvimento cultural depende do contexto urbano em que a população é inserida e a dificuldade de acesso a equipamentos culturais é apontada como um dos fatores para criar barreiras. Dos 2,7 mil brasileiros ouvidos, 51% disseram que os equipamentos estão mal localizados e um porcentual maior, 62,6%, afirmou que o equipamento está longe da casa onde mora.
Para especialistas de diversas áreas, a distância não é exclusivamente um empecilho. Há outros fatores mais preponderantes. “Ontem mesmo fui ao cinema com uma jovem (18 anos) que nunca tinha ido e isso é bastante surpreendente. Digo que é um entretenimento de elite porque hoje custa muito caro ir ao cinema. Uma família de quatro pessoas não gasta menos de R$ 50 com bilhetes, sem contar a pipoca”, afirma o cineasta paranaense Marcos Jorge, diretor do filme Estômago.
O preço do bilhete é elevado, segundo Jorge, por vários motivos: existem poucas salas de projeção, em um número pequeno de cidades e ainda há uma parcela grande de espectadores que paga a meia-entrada. “Há ainda outro fator: não ir ao cinema não quer dizer necessariamente que os brasileiros não gostam de filme. Diferentemente, as pessoas têm acesso de outras maneiras, como na televisão aberta, mesmo que o filme lançado seja exibido dois anos depois. Também existe hoje a indústria do download que facilita a vida de quem não quer gastar com ingressos”, diz.
De graça
Mas nem sempre o custo é uma desculpa aceitável. Em Curitiba, por exemplo, há sessões de cinema a R$ 2 em datas especiais — apesar de a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) ter fechado dois cinemas: Ritz e Luz. O Teatro Guaíra, com o projeto Teatro para o Povo, e o Museu Oscar Niemeyer abrem pelo menos uma vez por mês gratuitamente. E, há duas semanas, aconteceu a Virada Cultural, que ofereceu uma série de shows musicais de graça para a população, com nomes como Erasmos Carlos, Pato Fu e Paulinho da Viola.
Mas, mesmo assim, isso parece não ser suficiente para despertar o interesse do público. “Parece que as pessoas não conseguem ver o teatro como parte da vida delas. O teatro precisa ir à escola e contagiar todos desde pequenos”, afirma o diretor de teatro Mauro Zanata, que também acredita que a barreira está na falta de espaços para que as grandes temporadas possam acontecer.
Um terço diz ter pouco tempo para o lazer
O tempo livre dos brasileiros anda curto: apenas 18,4% da população diz ter horário de lazer de sobra. O restante, 35,4%, afirma que o tempo é insuficiente para fazer tudo o que se deseja e 44,9% dizem que o horário de lazer é suficiente, mas sempre há algo a mais para fazer.
E se pudessem escolher o que fazer num tempo livre “esticado”, os brasileiros preferem primeiro frequentar cursos, depois fazer atividades físicas e em terceiro lugar descansar. Ir a espaços culturais está na sexta posição neste planejamento.
“A classe média brasileira diz que cultura é importante, mas se questionada sobre a frequência dela nestes espaços, é possível observar que ela prefere consumir. É o velho modelo importado dos americanos. No tempo livre, a população escolhe comer em um restaurante, por exemplo, do que gastar o dinheiro com livros ou música”, afirma o artista plástico Carlos Dalastella.
Para ele, o poder aquisitivo não é explicação para a falta de acesso à cultura. “Tem de haver esforço individual. As dificuldades se explicam, mas não são impeditivas hoje para ler ou ouvir uma boa música”, afirma. Dalastella lamenta ainda que o poder público não incentive mais o consumo da cultura nos momentos de lazer. “Você viu o presidente Lula ou qualquer governador ultimamente andando com um livro debaixo do braço ou saindo de um teatro?”, pergunta. “Mesmo assim sou otimista. As novas gerações estão mudando aos poucos, porque estão tendo mais contato com a arte de modo geral. Eles fazem músicas, escrevem, desenham. Isso é importante.”
**Artigo de Pollianna Milan, publicado na Gazeta do Povo, em 18/11/2010. Como ilustração, o quadro "Os pedintes", do pintor Giacomo Cerutti (1698-1767)
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O filme Tropa de Elite 2 levou aos cinemas nada menos do que 1,25 milhão de pessoas em apenas três dias de exibição, um recorde de bilheteria. Mas, apesar das sessões lotadas, esse tipo de entretenimento ainda não é uma realidade para metade dos brasileiros. Cerca de 54% deles nunca colocaram os pés em uma sala de projeção. É o caso da família da diarista Marlene Walesco Maseno, 57 anos, de Curitiba. Além dela, o marido e dois dos três filhos ainda não tiveram a oportunidade de ver um filme no cinema. “Sou muito curiosa para saber como é, mas não consegui ir. Meu marido é mais parado, por isso não nos programamos”, afirma.
A barreira cultural não se restringe ao cinema. Quase 60% da população brasileira nunca foi a um teatro ou a um show de dança e aproximadamente 70% jamais foi a museus ou centros culturais. Os dados, divulgados ontem, são do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Se teatro, cinema e shows são momentos de lazer para um número mais restrito de pessoas, ver televisão e ouvir rádio, por outro lado, são atividades quase que universais: apenas 5,9% dos brasileiros nunca ouviram rádio e 0,9% nunca assistiram à tevê. “Meu lazer é ver televisão e escutar rádio. Quando era pequena, o entretenimento era só o rádio”, lembra Marlene.
A Região Sul tem o maior número de espectadores de tevê (85,8%), que assistem aos programas diariamente. Já na Região Nordeste está o maior porcentual (39,2%) de pessoas que vão, com frequência, a bares, boates e danceterias; enquanto na Região Centro-Oeste há o maior porcentual (29,8%) de frequentadores de clubes e academias.
Barreiras
Segundo o Ipea, o desenvolvimento cultural depende do contexto urbano em que a população é inserida e a dificuldade de acesso a equipamentos culturais é apontada como um dos fatores para criar barreiras. Dos 2,7 mil brasileiros ouvidos, 51% disseram que os equipamentos estão mal localizados e um porcentual maior, 62,6%, afirmou que o equipamento está longe da casa onde mora.
Para especialistas de diversas áreas, a distância não é exclusivamente um empecilho. Há outros fatores mais preponderantes. “Ontem mesmo fui ao cinema com uma jovem (18 anos) que nunca tinha ido e isso é bastante surpreendente. Digo que é um entretenimento de elite porque hoje custa muito caro ir ao cinema. Uma família de quatro pessoas não gasta menos de R$ 50 com bilhetes, sem contar a pipoca”, afirma o cineasta paranaense Marcos Jorge, diretor do filme Estômago.
O preço do bilhete é elevado, segundo Jorge, por vários motivos: existem poucas salas de projeção, em um número pequeno de cidades e ainda há uma parcela grande de espectadores que paga a meia-entrada. “Há ainda outro fator: não ir ao cinema não quer dizer necessariamente que os brasileiros não gostam de filme. Diferentemente, as pessoas têm acesso de outras maneiras, como na televisão aberta, mesmo que o filme lançado seja exibido dois anos depois. Também existe hoje a indústria do download que facilita a vida de quem não quer gastar com ingressos”, diz.
De graça
Mas nem sempre o custo é uma desculpa aceitável. Em Curitiba, por exemplo, há sessões de cinema a R$ 2 em datas especiais — apesar de a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) ter fechado dois cinemas: Ritz e Luz. O Teatro Guaíra, com o projeto Teatro para o Povo, e o Museu Oscar Niemeyer abrem pelo menos uma vez por mês gratuitamente. E, há duas semanas, aconteceu a Virada Cultural, que ofereceu uma série de shows musicais de graça para a população, com nomes como Erasmos Carlos, Pato Fu e Paulinho da Viola.
Mas, mesmo assim, isso parece não ser suficiente para despertar o interesse do público. “Parece que as pessoas não conseguem ver o teatro como parte da vida delas. O teatro precisa ir à escola e contagiar todos desde pequenos”, afirma o diretor de teatro Mauro Zanata, que também acredita que a barreira está na falta de espaços para que as grandes temporadas possam acontecer.
Um terço diz ter pouco tempo para o lazer
O tempo livre dos brasileiros anda curto: apenas 18,4% da população diz ter horário de lazer de sobra. O restante, 35,4%, afirma que o tempo é insuficiente para fazer tudo o que se deseja e 44,9% dizem que o horário de lazer é suficiente, mas sempre há algo a mais para fazer.
E se pudessem escolher o que fazer num tempo livre “esticado”, os brasileiros preferem primeiro frequentar cursos, depois fazer atividades físicas e em terceiro lugar descansar. Ir a espaços culturais está na sexta posição neste planejamento.
“A classe média brasileira diz que cultura é importante, mas se questionada sobre a frequência dela nestes espaços, é possível observar que ela prefere consumir. É o velho modelo importado dos americanos. No tempo livre, a população escolhe comer em um restaurante, por exemplo, do que gastar o dinheiro com livros ou música”, afirma o artista plástico Carlos Dalastella.
Para ele, o poder aquisitivo não é explicação para a falta de acesso à cultura. “Tem de haver esforço individual. As dificuldades se explicam, mas não são impeditivas hoje para ler ou ouvir uma boa música”, afirma. Dalastella lamenta ainda que o poder público não incentive mais o consumo da cultura nos momentos de lazer. “Você viu o presidente Lula ou qualquer governador ultimamente andando com um livro debaixo do braço ou saindo de um teatro?”, pergunta. “Mesmo assim sou otimista. As novas gerações estão mudando aos poucos, porque estão tendo mais contato com a arte de modo geral. Eles fazem músicas, escrevem, desenham. Isso é importante.”
**Artigo de Pollianna Milan, publicado na Gazeta do Povo, em 18/11/2010. Como ilustração, o quadro "Os pedintes", do pintor Giacomo Cerutti (1698-1767)
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