terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A REVOLTA REVOLUCIONÁRIA NO EGITO

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FIDEL CASTRO – GRANMA

HÁ vários dias, eu disse que a sorte de Mubarak estava lançada e nem sequer Obama podia salvá-lo.

O mundo sabe o que acontece no Oriente Médio. As notícias circulam a uma velocidade incrível. O tempo apenas dá aos políticos para lerem os telexes que vão chegando hora após hora. Todos estão cientes da importância do que ali ocorre.

Após 18 dias de duro batalhar, o povo egípcio conseguiu um importante objetivo: derrubar o principal aliado dos Estados Unidos no seio dos países árabes. Mubarak oprimia e pilhava o seu próprio povo, era inimigo dos palestinos e cúmplice de Israel, a sexta potência nuclear do planeta, associada ao grupo belicista da OTAN.

As Forças Armadas do Egito, sob a direcção de Gamal Abdel Nasser, lançaram pela borda um rei submisso e criou a República que, com o apoio da URSS, defendeu sua Pátria da invasão franco-britânica e israelense em 1956 e preservou a posse do Canal de Suez e a independência da sua nação milenar.

Por isso, o Egito tinha um elevado prestígio no Terceiro Mundo. Nasser era conhecido como um dos líderes mais destacados do Movimento dos Países Não-Alinhados, de cuja criação participou com outros conhecidos dirigentes da Ásia, África e Oceania, que lutavam pela libertação nacional e pela independência política e econômica das antigas colônias.

O Egito sempre gozou do apoio e do respeito dessa organização internacional que reúne mais de cem países. Neste momento, precisamente, esse país irmão preside o Movimento pelo período de três anos que lhe corresponde; e o apoio de muitos dos seus membros à luta que hoje seu povo trava não vai demorar.

O que significaram os Acordos de Camp David, e por que o povo heroico da Palestina defende tão arduamente seus direitos mais vitais?

Em Camp David ― com a mediação do então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter ―, o presidente do Egito, Anwar el-Sadat, e o primeiro-ministrIsraelense Menahem Begin, assinaram os famosos acordos entre o Egito e Israel.

Afirma-se que tiveram conversações secretas durante 12 dias e, em 17 de setembro de 1978, assinaram dois acordos importantes: um referido à paz entre o Egito e Israel; e outro relacionado com a criação de um território autônomo na Faixa de Gaza e Cisjordânia, onde El-Sadat pensava ― e Israel sabia e concordava com essa ideia ― que estaria a sede do Estado palestino, cuja existência, bem como a do Estado de Israel, a Organização das Nações Unidas estabeleceu em 29 de novembro de 1947, no mandato britânico da Palestina.

Após conversações árduas e complexas, Israel aceitou retirar suas tropas do território egípcio do Sinai, ainda que rejeitasse categoricamente a participação da representação da Palestina daquelas negociações de paz.

Em face do primeiro acordo, no prazo de um ano, Israel reintegrou ao Egito o território do Sinai ocupado em uma das guerras árabe-israelenses.

Em virtude do segundo, ambas as partes se comprometeram a negociar a criação do regime autônomo em Cisjordânia e na Faixa de Gaza. A primeira abrangia um território de 5.640 quilômetros quadrados e 2,1 milhões de habitantes; e a segunda, 360 quilômetros quadrados e 1,5 milhão de habitantes.

Os países árabes ficaram indignados com aquele acordo em que, a ver deles, o Egito não defendeu com a bastante energia e firmeza um Estado Palestino, cujo direito de existir tinha sido centro das lutas travadas durante décadas pelos países árabes.

A indignação deles foi tal, que muitos cortaram relações com o Egito. Dessa maneira, a Resolução das Nações Unidas de novembro de 1947, foi apagada do mapa. O ente autônomo jamais foi criado e assim os palestinos foram privados do direito de existirem como Estado independente, do qual deriva a interminável tragédia que se vive e que deveu ser resolvida há mais de três décadas.

A população árabe da Palestina é vítima de ações de genocídio; as terras lhes são arrebatadas ou privadas de água naquelas áreas semidesérticas e as moradias destruídas com pesados martelos. Na Faixa de Gaza, um milhão e meio de pessoas é sistematicamente atacado com projéteis explosivos, fósforo vivo e as conhecidas granadas caça-tolos. O território da Faixa foi bloqueado por mar e por terra. Por que se fala tanto dos acordos de Camp David e não se menciona a Palestina?

Os Estados Unidos fornecem os mais modernos e sofisticados armamentos a Israel no valor de bilhões de dólares a cada ano. Egito, um país árabe, foi convertido no segundo receptor de armas norte-americanas. Para lutar contra quem? Contra outro país árabe? Contra o próprio povo egípcio?

Quando a população exigia respeito ao seus direitos mais elementares e a renúncia de um presidente cuja política consistia em explorar e pilhar o seu próprio povo, as forças repressivas treinadas pelos Estados Unidos não hesitaram em disparar contra ela, matando centenas de pessoas e ferindo milhares.

Quando o povo egípcio esperava explicações do governo do seu próprio país, as respostas vinham de altos funcionários dos órgãos de inteligência ou do governo dos Estados Unidos, sem respeito algum pelos funcionários egípcios.

Por acaso os dirigentes dos Estados Unidos e seus órgãos de inteligência não sabiam uma só palavra dos colossais roubos do governo de Mubarak?

Antes que o povo protestasse em massa a partir da Praça Tahrir, nem os funcionários do governo, nem os órgãos de inteligência dos Estados Unidos diziam uma só palavra dos privilégios e roubos descarados de bilhões de dólares.

Seria um erro imaginar que o movimento popular revolucionário no Egito obedece teoricamente a uma reação contra as violações aos seus direitos mais elementares. Os povos não desafiam a repressão e a morte, nem permanecem noites a fio protestando energicamente por questões simplesmente formais. Fazem isso quando seus direitos legais e materiais são sacrificados sem piedade às exigências insaciáveis de políticos corruptos e dos círculos nacionais e internacionais que espoliam o país.

O índice de pobreza já afetava a maioria de um povo combativo, jovem e patriótico, agredido na sua dignidade, cultura e crenças.

Como poderiam se conciliar a elevação incessante dos preços dos alimentos com as dezenas de bilhões de dólares que se atribuem ao presidente Mubarak e aos setores privilegiados do governo e da sociedade?

Agora não basta saber os números, é preciso exigir que sejam devolvidos ao país.

Obama está afetado pelos acontecimentos no Egito, age ou parece agir como dono do planeta. Os acontecimentos no Egito parecessem ser um assunto dele. Não para de falar pelo telefone com os líderes de outros países.

A agência EFE, por exemplo, informa: "…falou com o primeiro-ministro britânico, David Cameron; com o rei Abdalá II da Jordânia, e com o primeiro-ministro turco, o islamista moderado Recep Tayyip Erdogan."

"…o governante dos EEUU avaliou a ‘mudança histórica’ impulsionada pelos egípcios e reafirmou sua admiração pelos seus esforços…".

A principal agência de informação norte-americana AP, transmite raciocínios dignos de atenção:

"Os Estados Unidos solicitam governantes no Oriente Médio de inclinação ocidental, amistosos com Israel e dispostos a cooperarem na luta contra o extremismo islâmico ao passo que protejam os direitos humanos."

"…Barack Obama colocou uma lista de requisitos ideais impossíveis de satisfazer após a queda de dois aliados de Washington no Egito e na Tunísia em revoltas populares que, segundo especialistas, vão se espalhar pela região."

"Não existe prospecto com esse currículo de ilusão e é muito difícil que logo apareça um. Em parte, é devido a que, nos últimos 40 anos, os Estados Unidos sacrificaram os ideais nobres dos direitos humanos que tanto propugnam pela estabilidade, continuidade e petróleo numa das regiões mais voláteis do mundo."

"‘O Egito não voltará a ser o mesmo’, disse Obama na sexta-feira, após celebrar a saída de Hosni Mubarak."

"Mediante seus protestos pacíficos, disse Obama, os egípcios ‘transformaram seu país e o mundo’.

"Ainda quando persiste o nervosismo entre vários governos árabes, as elites afiançadas no Egito e na Tunísia não deram sinais de que estejam dispostas a ceder poder nem a vasta influência econômica que tiveram."

"O governo de Obama insistiu em que a mudança não devia ser de ‘personalidades’. O governo estadunidense fixou esta postura desde que o presidente Zine El Abidine Ben Ali fugiu, em janeiro, da Tunísia, um dia depois que a secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, advertiu os governantes árabes em um discurso em Catar que sem uma reforma os alicerces de seus países ‘afundariam na areia’."

A gente não se mostra muito dócil na Praça Tahrir.

Europa Press narra:

"Milhares de manifestantes chegaram à Praça de Tahrir, o epicentro das mobilizações que provocaram a renúncia do presidente do país, Hosni Mubarak, para reforçar os que continuam nesse local, apesar da tentativa da Polícia Militar de desalojá-los, segundo informou a cadeia britânica BBC.

"O correspondente da BBC destacado na populosa praça cairota assegurou que o Exército se está mostrando indeciso perante a chegada de novos manifestantes…"

"O ‘núcleo duro’ […] está situado numa das esquinas da praça. […] decidiram permanecer em Tahrir […] para garantir que sejam cumpridas todas suas reivindicações."

Independentemente do que aconteça no Egito, um dos problemas mais graves que encara o imperialismo neste instante é o deficit de cereais, assunto que analisei na Reflexão de 19 de janeiro.

Os Estados Unidos empregam uma parte importante do milho que cultivam e um alto índice da colheita de soja na produção de biocombustíveis. A Europa, por sua vez, utiliza milhões de hectares de terra com esse propósito.

Por outro lado, como consequência da mudança climática originada fundamentalmente pelos países desenvolvidos e ricos, está-se criando um deficit de água doce e de alimentos incompatível com o crescimento da população, a um ritmo que a conduziria a 9 bilhões de habitantes em apenas 30 anos, sem que a Organização das Nações Unidas e os governos mais influentes do planeta, depois das decepcionantes reuniões de Copenhague e Cancun, tenham advertido e informado o mundo dessa situação.

Apoiamos o povo egípcio e sua valente luta pelos direitos políticos e pela justiça social.

Não somos contra o povo de Israel, somos contra o genocídio contra o povo palestino e a favor de seu direito a um Estado independente.

Não somos a favor da guerra, mas a favor da paz entre todos os povos.

Fidel Castro Ruz - 13 de fevereiro de 2011
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1 comentário:

Anónimo disse...

OS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA NORTE AMERICANOS APOIAM A REVOLTA PARA QUE NÃO HAJA UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO.

1 ) Sinais de ingerências sucessivas no corrente processo de transformações no Egipto têm sido dados pelos serviços de inteligência ocidentais e sobretudo pelos dos Estados Unidos, conforme tem sido denunciado por competentes analistas (os analistas do Global Research do Canadá, por exemplo).

2 ) É objectivo dessas ingerências estar por dentro da revolta de forma a impossibilitar uma verdadeira revolução.

3 ) Nesse sentido há integrantes, como o “movimento Kerfaya”, que suscitam muitas dúvidas em relação aos seus propósitos.

4 ) Os sectores em revolta ainda não se expressaram em relação a uma questão essencial - fazer prosseguir a lógica capitalista, ou encontrar um caminho de alternativas que se torne determinante para a sociedade egípcia e para os povos da região?

5 ) Se bem que é uma vitória para o povo egípcio o derrube do regime de Mubarak, quando muito está-se numa situação de revolta que poderá ser ou não pré revolucionária.

6 ) O facto das forças armadas do Egipto não terem gasto munições políticas, parece indicar que no Egipto não se passará da plataforma duma revolta.

Martinho Júnior.

Luanda.


http://www.cubadebate.cu/reflexiones-fidel/2011/02/14/la-rebelion-revolucionaria-en-egipto/