sexta-feira, 4 de março de 2011

A batalha de Brega: "ESTAMOS AQUI A LUTAR PELA LIBERDADE"

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REPORTAGEM

PAULO MOURA, em Brega - PÚBLICO

O ataque começou às 6 da manhã. Cinco camiões com centenas de soldados avançaram pela estrada junto ao mar. Há semanas que os rebeldes controlavam a cidade. Mas Brega, uns 700 quilómetros a leste de Trípoli e 200 a oeste de Bengasi, é um local estratégico, por causa do seu porto, aeroporto e da indústria de petróleo e gás. A refinaria é das maiores do Norte de África.

Visto de longe, o aglomerado de casas baixas e claras confunde-se com as dunas, suaves e douradas, que se estendem até à praia. O mar é verde fulgurante, com orlas turquesa.

A refinaria e a universidade de Brega, ou Marsa Brega, ficam junto à corniche, dobrada ao longo do Golfo de Sirte, numa zona aberta e branca. Foi lá que decorreu a batalha. Um drama de sangue e morte num cenário romântico.

Os camiões avançaram, carregados de armas sofisticadas. Entraram na universidade e cercaram a refinaria. Ao mesmo tempo, dois aviões caças Mig sobrevoaram a zona, lançando bombas. As forças de Khadafi, baseadas em Sirte, a oeste, tentavam reconquistar Brega.

A refinaria estava protegida por forças dos rebeldes, mas o efeito de surpresa foi decisivo. Os aviões largaram bombas na estrada, atingindo vários automóveis, nas imediações de Brega e na cidade de Adjabiya, 70 quilómetros para leste. A meio da manhã, Brega estava nas mãos das forças do regime. Pela primeira vez desde o início da revolução, Khadafi contra-atacava na região Leste, controlada pela oposição. Podia ser o início de uma sistemática reconquista, cidade a cidade. Bengasi, a capital do Leste, o quartel-general de todas as forças anti-regime, fica a menos de 200 quilómetros de Brega.

Os rebeldes não têm um Exército. Estão desorganizados e as suas armas são antiquadas. Aparentemente, não têm um plano. Mas são muitos, têm determinação e muitas armas.

Reconquistar Brega

"Estamos todos unidos. Somos um só povo em toda a Líbia. Estamos aqui para lutar pela liberdade. Não é por dinheiro, nem por poder. É só pela liberdade", diz Osama Assaeti, 24 anos. Está sentado a limpar os carregadores de uma arma anti-aérea, às portas da cidade de Adjabyia. É aqui que desde o fim da manhã se estão a concentrar as forças rebeldes para avançar para Brega. "Sabe o que me disse a minha mãe hoje de manhã? Disse-me: Vai lutar pela liberdade. Vai e morre pela liberdade, se for preciso".

São muitas centenas de pessoas, todas armadas, na porta de Adjabyia. Baterias anti-aéreas antigas, de fabrico russo, alinham-se dos dois lados da estrada, apontadas para oeste. Carrinhas pick-up levam metralhadoras pesadas instaladas na caixa aberta. Carros cheios de jovens aceleram, a buzinar ininterruptamente, os canos das kalashnikovs a sair pelas janelas. Há gritos e tiros para o ar, numa algazarra ensurdecedora.

Cada veículo que chega, pára, recebe encorajamento e instruções dos homens do piquete, carrega no claxon e no acelerador, dispara para o ar, e segue em grande velocidade a direcção a Brega. "Todos nós estamos dispostos a morrer pela liberdade", diz Osama. "Khadafi quer dividir-nos. Diz que as tribos do Oeste vão combater as do Leste. É mentira. Estamos todos unidos. Todos somos líbios. Ele não. Se fosse, como poderia trazer soldados estrangeiros para matar o seu próprio povo? Ele devia ser um pai para nós. Ser bondoso e compreensivo como um pai. Em vez disso, ele está a matar-nos".

A toda a volta da multidão enfurecida, a paisagem é o deserto com postes de alta-tensão. A estrada está cheia de carros, furgonetas e camiões, todos carregados de armas. Não há nenhum soldado. "Somos todos civis", diz Osama. "Não temos militares. Khadafi destruiu o Exército. São as pessoas normais que estão a combater. Pessoas que vêm de todas as cidades do leste, até aqui, para irem defender Brega".

À marginal, entre a universidade e a refinaria, chegam cada vez mais rebeldes. Os combates não cessam, apenas se deslocam, da zona da praia para o interior, por trás das dunas esparzidas de tufos verdes, daí para os arredores do aeroporto e de novo para a estrada tangente à refinaria. E é aqui que se intensificam. Explosões e tiroteio fazem tremer todo o imenso território cingido pelo mar. Os aviões bombardeiam a estrada, tentando atingir os veículos que se dirigem para oeste.

Ao hospital de Brega vão chegando ambulâncias com os feridos. E os mortos. Quatro corpos jazem no chão, no pátio em frente ao hospital. No interior, três médicos e dezenas de enfermeiros e enfermeiras, de batas, máscaras e sapatos brancos sujos de sangue estão a postos durante todo o dia, enquanto se ouvem explosões e o voo rasante dos caças."Não temos capacidade para os tratar aqui", diz Kerala, um dos médicos do hospital. "Estamos a enviar os feridos para Adjabiya e Bengasi. Mas estamos aqui, fazendo os possíveis. Mesmo que nos ataquem, não saímos. Só tomarão o hospital se nos matarem a todos".

Um dos enfermeiros dá indicações aos condutores das ambulâncias: "Os do Khadafi estão aqui", diz ele apontando para o desenho da universidade que fez num papel. "O povo está deste lado. E deste também. O Khadafi dispara deste lado, o povo dispara daquele".

Na zona do combate, há várias "linhas da frente", que vão alterando as suas posições. E cada vez mais forças dos rebeldes espalhadas na planície, numa confusão de carros e armas, buzinas, gritos e tiros. Fazem a mesma barulheira quando estão a combater e quando não estão. Aglomeram-se em certos pontos das estradas, partem para outros, juntam-se a celebrar, gritam insultos a Khadafi e louvores a Alá.

Não há mulheres. Mas alguns são muito velhos e outros muito jovens, quase crianças. Empunham metralhadoras, pistolas, catanas, granadas, lança-rockets. Talvez o armamento seja velho, mas abunda e não faltam munições.

A raiva como senha

É tanta gente e tanta confusão, de um lado para o outro das estradas, que nem se percebe como se reconhecem uns aos outros. Como sabem quem é amigo e inimigo. Talvez por isso gritem e buzinem sem parar, como se a própria energia, excitação e embriaguez da sua raiva fosse uma senha, um código de identificação e pertença.

Ao meio da tarde, as forças de Khadafi começam a recuar. Na estrada há carros destruídos, outros a arder. A euforia dos rebeldes cresce ainda mais. Uns sobem às dunas, outros percorrem todas as estradas, a velocidades loucas, disparando sem cessar.

"Agora vamos atrás deles", diz Kerala Mogarbi, que trabalha na refinaria. "Vamos atacar o covil da gente de Khadafi, em Sirte. E a seguir avançamos para Trípoli". Talvez não consigam sozinhos, admite Kerala, que tem um lenço palestiniano na cabeça e metralhadora a tiracolo. "Precisamos que os americanos nos ajudem. Não enviando forças terrestres, mas apenas aviões, para bombardear as bases de Khadafi. Depois nós fazemos o resto. Para nos ajudar em terra talvez tenhamos soldados egípcios. O general Jounis já partiu para o Cairo, a pedir ajuda".

Abdul Fattah Jounis, que comanda a base de Boâtni, em Bengasi, foi o general que desertou para o lado dos rebeldes durante os combates do dia 17 de Fevereiro. Muitos rebeldes esperam que seja ele a organizar as suas forças, para lançar o ataque em Tripoli e no Oeste do país. "Na próxima sexta-feira, vamos atacar. Será o grande dia. Khadafi vai cair", diz Kerala.

Por volta das cinco da tarde, as forças terrestres de Khadafi tinham batido em retirada. Os aviões lançaram mais algumas bombas em locais onde se aglomerava muita gente, a celebrar a vitória. De propósito ou por falta de pontaria, falharam os alvos. E regressaram às bases. Brega está de novo nas mãos da revolução.
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