PEDRO IVO CARVALHO – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião – 01 abril 2011
Imagine o que seria ir na rua e alguém lhe perguntar: "E se vier o FMI? E você responder: quem!?"
Imagine o que seria acordar, cumprir as rotinas higiénicas, ligar o televisor e ouvir: "Bom dia, as agências de notação elogiaram, numa conferência de imprensa conjunta dada em Bruxelas, o desempenho económico português, sublinhando que o exemplo de crescimento sustentado de Lisboa devia ser seguido pelos Estados Unidos". Imagine o que seria ouvir isto e continuar calmamente a preparar o leite com café, barrar a manteiga no pão, não se inquietar.
Imagine o que seria sair de casa, no seu bólide novinho em folha, e dirigir-se à estação de serviço mais próxima (uma qualquer, os preços são iguais em todas e todos baixos) e encher o depósito de 60 litros com apenas 25 euros. Imagine, até, o que seria não ter de levar o bólide novinho em folha para o trabalho, porque a rede de transportes públicos se massificou e os maquinistas não fazem greve semana sim, semana não.
Imagine o que seria trabalhar menos horas, produzir mais, regressar a casa com luz do dia, ir buscar os miúdos à escola, educá-los verdadeiramente e não delegar essa missão única e exclusivamente nos professores ou nos aprendizes que os aturam em horário nocturno.
Imagine o que seria pertencer a um país em que a classe dirigente não vivesse ao colo do Estado, não se alimentasse das suas tetas regeneradoras, num país em que os principais partidos se entendessem em questões estruturais, como a Justiça, a Educação, a Saúde, sem ceder a reajustes sazonais de estratégias. Um país em que os partidos da Oposição, aproveitando a circunstância de o Governo estar demissionário, não travassem, no Parlamento, medidas transversais e de compromisso, apenas por capricho ou "vendetta" rasteira.
Imagine o que seria não assistirmos, de quatro em quatro anos, a uma dança de cadeiras na administração pública tendo como banda-sonora o hino nacional, imagine o que seria não haver BPN, não haver BPP, imagine se não tivéssemos que custear esses saques interpretados por engravatados da finança. Imagine o que seria ir na rua e alguém lhe perguntar: "E se vier o FMI? e você responder: quem!?".
Imagine o que seria viver num Portugal em que gentios de competência duvidosa não fossem alcandorados à condição de administradores de empresas públicas, um país que conhecesse os seus deputados, que se mobilizasse por causas, que não se limitasse a protestar em surdina, nos cafés, nas redes sociais, um país que agisse.
Imagine o que seria encher avenidas com milhares de sindicalistas a reclamar por um aumento do salário mínimo nacional para 1500 euros (mais 200 do que os 1100 de tabela). Imagine o que seria não estar endividado até às orelhas e não receber, numa base quase semanal, uma cartinha do seu banco a incentivá-lo a enterrar-se num buraco ainda mais fundo, renovando ora a mobília de casa, ora o exótico destino de férias.
Imagine o que seria viver num país que não se incomodasse com o princípio do esforço colectivo, simplesmente por saber que as medidas de esforço adicional que nos pedem terão consequência e não serão meros paliativos que não evitarão uma morte certa.
Imagine que hoje não é 1 de Abril, dia das mentiras.
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